Coliseo- Roma - Itália
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Relatos de Viagem
Quem vem acompanhando o blog "Luciáh com acento no A", sabe que a atriz Luciáh Tavares não pára, está sempre envolvida em atividades culturais que vão de projetos sociais com teatro para crianças e adultos de comunidades periféricas ao cinema alternativo, da dramaturgia a contação de histórias, ministrando oficinas e pesquisando novas linguagens artísticas. Luciáh Tavares se define como amante de seu trabalho de artista e diz ser difícil sair de férias. Através do Skype a Pólux assessoria teve o prazer de conversar com ela em sua primeira viagem a Europa.
Confira abaixo o que ela nos descreveu desta experiência.
Piccolo Teatro di Milano-Milão/Itália
Museu Teatrale Teatro alla Scalla- Milão/Itália
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Pólux-Acompanhamos o sua carreira e sabemos que você trabalha sem trégua, como é estar de férias longe dos trabalho de atriz?
Luciáh Tavares-Para mim é sempre difícil me afastar do trabalho, em especial dos projetos da Cia Z de Teatro. Estou distante do Brasil por alguns dias mas não me afasto nunca do trabalho de atriz, uma viagem a novos lugares faz com que conheçamos pessoas diferentes, que possamos perceber o ser humano por uma outra ótica que à distância seria difícil. São novas vivências, outros cenários, outra cultura, e isto faz que a mente se abra para diferentes nuances do ser humano, que vejamos um pouco as coisas através das referências culturais que não temos presente no nosso cotidiano. Isto só tende a enriquecer o meu trabalho. Ao perceber o sotaque das pessoas, a maneira como se comportam nas ruas, nos bares, junto aos amigos, em suas relações. Como se movem e respiram. Ao entender seus valores estou enriquecendo não apenas meu vocabulário verbal mas sobretudo meu vocabulário actorial, corporal e comportamental. A arte de atuar, segundo o meu ponto de vista, está diretamente ligada ao comportamento humano. E aumentar este leque de opções faz com que tenha na manga novas cartas para minhas memórias das emoções.
Pólux- Você está onde agora?
Luciáh Tavares- Estou em Milão na Itália.
Pólux- Irá a outros países?
Luciáh Tavares- Não, pois meu objetivo era apenas o de conhecer a Itália e presenciar esta cultura que me fascina desde a infância. E além do mais sou atriz de teatro e ainda não possuo muitos recursos financeiros para gastar com turismo.
Pólux- Você já conhecia o exterior?
Luciáh Tavares- A Europa não! Conhecia apenas o Uruguay. Mas quando falo isto tem gente que não considera o Uruguay exterior! (Risos) Eu considero embora seja vizinho é uma cultura diferente da nossa.
Pólux- Porque a escolha pela Itália?
Luciáh Tavares- Como eu lhe disse a Itália é uma paixão de infância, embora não tenha descendência italiana, desde criança sempre estive muito ligada a ícones da cultura italiana e comecei a estudar língua italiana há mais de 15 anos. Gosto muito do trabalho da commedia dell'art, de sua história, da forma que trabalhavam. Também tive meu período mambembe na vida, sem endereço fixo, viajando de teatro com minha companhia. E conhecer a Itália de perto era há muito tempo mais do que um sonho, mas uma obrigação.
Pólux- E como foi enfrentar o frio europeu?
Luciáh Tavares- Eu sou do sul do Brasil e posso afirmar que senti menos frio aqui do que na minha terra natal, aqui as casas, os estabelecimentos, o transporte público, tudo tem aquecimento. Embora minhas roupas sejam de uma qualidade tropical tenho resistido bravamente. (Risos)
Teatro alla Scalla- Milão/Itália
Teatro no Carnevale Romano- Piazza del Popolo- Roma/Itália
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Pólux- E ver a neve como foi? E de que forma um experiência destas pode lhe ajudar no trabalho de atriz?
Luciáh Tavares- Foi emocionante, não vou negar! Quando cheguei ao aeroporto estava tapado de neve, as estradas todas brancas, tudo pulverizado de um sonho chamado neve. É uma outra atmosfera! Me deixou mais calada. Diminuiu meu apetite. Fiquei um ser mais introspectivo diante da paisagem daqui. Praticamente irreconhecível!
Pólux- Você pode descrever a primeira vez que viu nevar?
Luciáh Tavares- Claro que sim! Foi por volta das 5:30 da manhã do dia 10 de fevereiro fui de furona acompanhar amigos num trabalho em Torino...E Milão já estava com as ruas, os carros tudo coberto de neve...ainda no escuro, a cidade despertando...e quando o carro parou no semáforo percebi que finos flocos caiam do céu como numa animação... Poético sem dúvidas!
Mas o mais lindo foi me deparar com a neve em minha primeira viagem de trem.
Pólux- Como foi esta experiência?
Luciáh Tavares- Na Itália só se falavam das nevascas, e que faziam 30 anos que não nevava em Roma como nevou neste inverno. Minha viagem foi de Milano a Roma. Ao sair da estação já estava com a emoção a flor da pele pois estava indo para Roma sozinha, e andando de trem pela primeira vez. Quando o trem chegou em Bologna tudo estava branco, uma nevasca muito forte. E embora pareça piégas eu caí no choro de tanta emoção. Passei a vida estudando teatro para aprender a conter e acessar as emoções na hora que bem entender, mas existem certas coisas que fogem a todo e qualquer controle e uma experiência como estas é uma delas.
Pólux- E como foi sua chegada a Roma?
Luciáh Tavares- Como estava lhe dizendo, não nevava há 30 anos em Roma e a neve de flocos grandes, daqueles que parecem feitos de algodão e que sempre mostram nos filmes de natal, começou no momento que o trem em que estava chegou a Roma... Pessoas de um lado para o outro num ritmo frenético, trens, e eu com minhas malas olhando aquele espetáculo, e tentando acompanhar o ritmo das pessoas da estação. Com o provérbio martelando na minha cabeça: "Em Roma como os Romanos."
Pólux- Isto poderá lhe ajudar no trabalho como atriz?
Luciáh Tavares- Ainda não tenho a resposta definida, mas acredito que sim, que sirva para trazer para algum personagem esta memória de deslumbramento, nutrir com esta atmosfera uma cena, e até mesmo contá-la. Acho que poderia ser muito interessante. Só a cena da mulher com suas malas movendo-se rapidamente pela estação de olhos vidrados naquela beleza enquanto esgueirava-se das pessoas que iam e viam já é uma cena maravilhosa!
Pólux- E o que você achou de Roma?
Luciáh Tavares- Ainda não consigo mensurar. Estive em Roma pouco mais de dois dias, não dá para conhecer 4 mil anos ou mais de história em dois dias. O que deu foi para sentir sua energia. Achei uma chatice aqueles turistas com suas máquinas fotográficas sem parar, especialmente na Fontana de Trévi e no Vaticano. Mas o povo Romano é um pouco medieval, sua maneira de abordar, de falar de mover-se é um pouco tosca e é neste ponto que reside a magia da cidade. A forma como as pessoas se comunicam em Roma, meio atrapalhada, um pouco brega, foi o que achei o mais sensacional...Às vezes não parecem pessoas mas todos personagens de um filme, ou de um espetáculo a burlar com a gente. E são muitos personagens: as romenas, as ciganas( tão diferentes das nossas), os indianos, os africanos da estação de trem, os chineses, a matrona do café, o rapaz do pizzaiollo, os garçons dos restaurantes fazendo de tudo para atrair os turistas, as pessoas que pedem dinheiro na rua e no metrô num cortante cântico doido: "Aiuto signora, aiuto per favore!" . Aquela dor nunca percebi nos pedintes do Brasil... vem com outra carga, com outra energia. Roma parece possuir todas as coisas do mundo, lá parecem caber todas as nossas alegrias e tristezas, toda nossa força e todas as nossas fraquezas.
Luciáh Tavares e Pinocchio- Roma/Itália
Máscaras- Roma- Itália
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Pólux- E você preferiu Roma ou Milão?
Luciáh Tavares- Difícil dizer. Roma é um museu a céu aberto onde tudo conta história e as pessoas são personagens mais cômicos. E Milão me deixou apaixonada por seu ritmo alucinado que não perde a pose elegante... mas aqui as pessoas são mais recatadas, caladas... Há uma intelectualidade no ar que gosto! Quando voltei para Milão estava numa saudade que parecia que tinha passado não 4 dias fora mas 4 anos. Por isto acho que neste aspecto gostei mais de Milão. Me sinto mais a vontade em Milão, sei andar pelo metrô, trem , me mover na cidade, reconheço suas ruas...
Pólux-Que cidades mais você esteve?
Luciáh Tavares- Estive em Latina ao lado de Roma, que é a cidade mais nova da Itália, praticamente uma cidade do interior paulista ou gaúcho, em Monza e Torino. E em algumas pequenas cidadezinhas daquelas medievais como San Felice, ao lado de Latina, que foi um dos lugares que mais amei por sua simplicidade. E Bellagio ao norte na região dos Alpes.
Pólux- Há algum trabalho sendo gerado a partir destas experiências?
Luciáh Tavares- Com certeza! O tempo todo estou analisando e criando algo para que depois possa ser assimilado no trabalho de atriz. Recolho imagens que futuramente transformo em cenas. Certamente estas vivências e outras tantas que não relatei aqui farão parte de trabalhos posteriores. Aguardem!
Pólux- E que espécie de trabalho será?
Luciáh Tavares- Ainda não posso revelar pois a viagem não acabou! (risos) E sabe-se lá o que ainda pode acontecer. Quando cheguei aqui pensava uma coisa, hoje já penso totalmente diferente. Uma viagem é sempre transformadora. Mas independente do que for, passará pelo popular, com seus tipos, pelas relações humanas, e sem dúvidas pelo amor.
Pólux- Você assistiu teatro aí? Como foi? E como é passar o carnaval fora do Brasil?
Luciáh Tavares- Assisti sim, em Roma vi mais de um espetáculo de rua dentro do Carnevale Romano e até participei como voluntária da platéia em mais de uma cena, depois que souberam que eu era atriz me colocaram em umas três cenas. Muito divertido!!! Pois sempre estou do outro lado do espetáculo! E também por que a linguagem cênica deles era bem próxima do que trabalho junto ao espetáculo "A Maçã". Achei os atores de um nível técnico excelente e com disponibilidade ao jogo com o público. Agora quanto a passar o carnaval longe do Brasil, foi um erro grande que cometi, embora não seja de sair a noite. Gosto de acompanhar o carnaval pela TV, torcer para Unidos da Tijuca, ver os amigos arrasarem na sapucaí, e isto não foi possível, saí e vi as ruas tristes, vazias e me deparei com um carnaval que mais lembrava um cortejo fúnebre...Na tv só se falava do Festival de San Remo...Isto também me ensinou pois o frio me fez uma pessoa mais quieta desde que aqui cheguei e entendi que o calor de nosso país é na verdade um grande traço de nossa cultura.
Pólux- O que você tem mais sentido falta? E você sentiu algum medo por empreender esta viagem sozinha?
Luciáh Tavares- O que mais tenho sentido falta é de arroz com feijão, do café, do pão...E do açucar brasileiro...sim as coisas aqui são lindas, mas o doce da vida está no açúcar do Brasil, e no sabor de nossas frutas... Mas sei que ao voltar sentirei saudade de tantas coisas daqui. Os bons momentos da vida passam rápido. E a vida deve ser vivida no ritmo alucinado de uma batucada de escola de samba. Sem que tenhamos medo de arriscar, de ousar... de botar o bloco na rua! Meu único medo é o de desistir dos sonhos...e de perder a fé e a confiança nas pessoas ...somos feitos da mesma substância dos sonhos( como diria Shakespeare) e entre um sonho e outro decorre a nossa curta existência( existência curta-pequena-piccola- como um café italiano). Muitos disseram que eu era louca por empreender esta viagem sozinha até aqui, acho isto uma bobagem pois não sou mais criança há muito tempo e falo suficientemente bem italiano. Mas rotular por loucos aqueles que buscam realizar seus sonhos é normal. Italo Calvino (escritor italiano) dizia: "A loucura é uma força da natureza para o bem ou para o mal, ao passo que a estupidez é uma debilidade da natureza sem contrapartidas. " estúpido é não correr atrás da felicidade por medo, covardia ou comodismo. Sou uma pazza scatenatta como me dizem aqui, mas eu sou feliz. "E mais louco é quem me diz que não é feliz! " As vezes ganha-se, às vezes perde-se, como no trabalho de atriz, é preciso aprender a jogar e descobrir o prazer deste espetáculo de nome vida, em que somos o personagem principal!!! E nosso objetivo principal é ser FELIZ! EU SOU FELIZ!!! E para sermos felizes não podemos ter medo seja na Itália no Brasil ou em qualquer outro canto do mundo!
Pólux- Para finalizar o que de mais importante você vivenciou nestes dias?
Luciáh Tavares- O mais importante sempre são as coisas que vivencio através do meu trabalho, da minha arte, com a minha paixão! E a minha paixão é o teatro, o meu trabalho de atriz. Mas não posso negar que andar de metrô no dia de uma partida de futebol importante aqui foi uma vivência que devo destacar. A paixão dos homens pelo futebol por aqui é mais ou menos como no Brasil e igual ao que sinto pelo meu trabalho de atriz. Conhecer o Coliseu foi importante também, mas quando entrei no Teatro Alla Scalla, e vi o palco me senti em paz, e depois em seu museu cheio de histórias de artistas de outros tempos. Assim como quando estive no Piccolo teatro di Milano e me emudeci diante Franca Rame...Ou ao me deparar com o espetáculo na Piazza del Popolo em Roma. E também no aniversário de 81 anos que fui convidada em Latina. A vida sem o humano, sem a força das pessoas, é vazia. E sem arte, sem teatro não tem nenhum sentido. Teatro para mim é diversão, trabalho, alimento, é sagrado e profano... é paz e entusiasmo...é comunhão, é DEUS!!! É como as placas de trânsito da Itália que dizem 'SENSO ÚNICO'...teatro é o sentido único da minha vida... Posso ter família, meus animais de estimação, amores, dinheiro, viagens, passeios, comida...mas nada me alimenta em corpo e alma como o teatro. Não podemos viver sem uma paixão, eu não vivo sem a minha, e ela é o meu trabalho de atriz e em especial o TEATRO em todo o seu esplendor ou em toda a sua simplicidade...nesta arte tudo pode e todo sonho ou loucura são possíveis...e ela não existe sem o outro...sem o texto, a poesia, sem o ator, sem o espectador...seja aqui ou em qualquer parte do mundo não se pode fazer teatro sozinho. O teatro sempre me fala mais alto a alma, é o meu grande amor...e tudo que vivencio relacionado a este amor é sempre o mais importante, o mais belo...seja aqui ou em qualquer outra parte do mundo...